quinta-feira, 16 de maio de 2013


O Comboio Antigo Flecha de Prata  - Conde de Aurora


     Nascido em Ponte de Lima a 29 de Abril de 1896 e falecido no Porto a 3 de Maio de 1969, o Conde d`Aurora deixou vasta obra literária, de que se destaca o «Roteiro da Ribeira Lima», descrição da História, monumentos, usos, costumes e paisagens do Vale do Lima. Magistrado de profissão, viajou vezes sem conta entre a sua terra natal, Porto e Lisboa, de comboio. As suas viagens, tanto em Portugal como no estrangeiro, foram tema para numerosas e interessantes crónicas, publicadas na imprensa nacional e regional. No seu livro dedicado às linhas de via estreita em Portugal, o investigador britânico W.J.K. Davies refere que até ao princípio dos anos 70, Portugal era o deslumbramento dos amantes dos comboios antigos. Aqui ainda se encontravam, fosse nos arredores do Porto, fosse no Vouga ou no Douro, máquinas e carruagens «iguais aos da Inglaterra vitoriana». O Conde d’Aurora conheceu e viveu esse ambiente ferroviário e descreveu-o com uma graça, grande humor e uma sensibilidade que ainda hoje atraem leitores. Num texto sobre a Linha do Minho conta que os maquinistas se conheciam à distância pela forma como tocavam o apito da locomotiva, alguns, os mais dotados ou imaginativos, em andamento de scherzo... «Quando o «correio» do Minho atravessava as campinas da ridente e populosa beira-mar e nos dava os bons dias, tardios embora, de sol bem alto, mas tão alegres, apitando em toques repetidos e smorzando um final que logo nos individualizava o maquinista, e todos diziam com os seus botões: - «Olha o Pompeu!» Lembrava-se, na sua infância, de as diligências terem nomes extraordinários tais como «Viste-lo-ir», «Princesa do Lima» ou «Vencedor do Vez». Por isso abominava a invasão da ferrovia por nomes tecnocráticos tais como «comboio 51» ou «locomotiva 2002». Para ele nada melhor que o saudoso «Flecha de Prata», ainda que demorando 13 horas no percurso Lisboa-Porto. Viajar de comboio, de preferência a vapor e em carruagens da «belle époque», era um fim em si mesmo. «Que na paisagem, o cruzar alegre e musical, rítmico e colorido de um comboio é uma sua tão grande beleza e nota de animação como um curso de água, esse elemento indispensável de movimento e acção da Natureza. E a paisagem por sua vez ganha em ser vista através do enquadramento da janela da carruagem do caminho de ferro –beleza e graça que o automóvel, e muito menos o avião (esse inversor de perspectivas) jamais lhe concedem ou permitem». Era o tempo «de cada locomotiva possuir o seu maquinista titular e responsável, e seu fogueiro e seus dois alimpadores – quando tudo eram metais a polir e a fazer rebrilhar e, tal qual dos carros e dos cavalos, se criavam e se faziam rebrilhar a poder de esforço braçal e laranja azeda –e não se descobrira ainda o menor esforço burguês e democrático do níquel e do crómio». Todo um mundo só ao alcance dos raros, «que ainda conservam na secura da maturidade, na aridez do quotidiano, a alegria e a graça de, sempre crianças, se entreterem e divertirem com esse mais curioso brinquedo humano, prestes a desparecer, o caminho de ferro». Afinal, nem o comboio desapareceu, nem a prosa do Conde d’Aurora ficou esquecida.
Abilio Conde

 
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