O Comboio Antigo Flecha de Prata - Conde de Aurora
Nascido
em Ponte de Lima a 29 de Abril de 1896 e falecido no Porto a 3 de Maio de 1969,
o Conde d`Aurora deixou vasta obra literária, de que se destaca o «Roteiro da
Ribeira Lima», descrição da História, monumentos, usos, costumes e paisagens do
Vale do Lima. Magistrado de profissão, viajou vezes sem conta entre a sua terra
natal, Porto e Lisboa, de comboio. As suas viagens, tanto em Portugal como no
estrangeiro, foram tema para numerosas e interessantes crónicas, publicadas na
imprensa nacional e regional. No seu livro dedicado às linhas de via estreita
em Portugal, o investigador britânico W.J.K. Davies refere que até ao princípio
dos anos 70, Portugal era o deslumbramento dos amantes dos comboios antigos.
Aqui ainda se encontravam, fosse nos arredores do Porto, fosse no Vouga ou no
Douro, máquinas e carruagens «iguais aos da Inglaterra vitoriana». O Conde
d’Aurora conheceu e viveu esse ambiente ferroviário e descreveu-o com uma graça,
grande humor e uma sensibilidade que ainda hoje atraem leitores. Num texto
sobre a Linha do Minho conta que os maquinistas se conheciam à distância pela
forma como tocavam o apito da locomotiva, alguns, os mais dotados ou
imaginativos, em andamento de scherzo... «Quando o «correio» do Minho
atravessava as campinas da ridente e populosa beira-mar e nos dava os bons
dias, tardios embora, de sol bem alto, mas tão alegres, apitando em toques
repetidos e smorzando um final que logo nos individualizava o maquinista, e
todos diziam com os seus botões: - «Olha o Pompeu!» Lembrava-se, na sua
infância, de as diligências terem nomes extraordinários tais como
«Viste-lo-ir», «Princesa do Lima» ou «Vencedor do Vez». Por isso abominava a
invasão da ferrovia por nomes tecnocráticos tais como «comboio 51» ou
«locomotiva 2002». Para ele nada melhor que o saudoso «Flecha de Prata», ainda
que demorando 13 horas no percurso Lisboa-Porto. Viajar de comboio, de
preferência a vapor e em carruagens da «belle époque», era um fim em si mesmo.
«Que na paisagem, o cruzar alegre e musical, rítmico e colorido de um comboio é
uma sua tão grande beleza e nota de animação como um curso de água, esse
elemento indispensável de movimento e acção da Natureza. E a paisagem por sua
vez ganha em ser vista através do enquadramento da janela da carruagem do
caminho de ferro –beleza e graça que o automóvel, e muito menos o avião (esse inversor
de perspectivas) jamais lhe concedem ou permitem». Era o tempo «de cada
locomotiva possuir o seu maquinista titular e responsável, e seu fogueiro e
seus dois alimpadores – quando tudo eram metais a polir e a fazer rebrilhar e,
tal qual dos carros e dos cavalos, se criavam e se faziam rebrilhar a poder de
esforço braçal e laranja azeda –e não se descobrira ainda o menor esforço
burguês e democrático do níquel e do crómio». Todo um mundo só ao alcance dos
raros, «que ainda conservam na secura da maturidade, na aridez do quotidiano, a
alegria e a graça de, sempre crianças, se entreterem e divertirem com esse mais
curioso brinquedo humano, prestes a desparecer, o caminho de ferro». Afinal,
nem o comboio desapareceu, nem a prosa do Conde d’Aurora ficou esquecida.
Abilio Conde